sexta-feira, novembro 04, 2011

ESTUDO DE CASO CLÍNICO

ESTUDO DE CASO

Nome:
Data de nascimento:
Idade no inicio do tratamento:
Escolaridade:
Nacionalidade:

MOTIVO DA CONSULTA
Grande dificuldade para a aquisição da linguagem escrita tanto em português como em hebraico.
DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO
A. SUBSISTEMA PARENTAL
Os pais de Ariel são participantes em seu tratamento e, desde a anamnese, devolutivas e entrevistas periódicas, comparecem sem relutância sempre que convocados e espontaneamente quando se sentem inseguros com as oscilações ocorridas no desenvolvimento de Ariel.
Os pais têm algumas dificuldades no relacionamento conjugal, que não são explicitadas, apenas depreendidas nos contatos ocorridos.
Em relação a Ariel o pai atribui à mãe culpa pela desorganização de horários, material escolar e cumprimento de tarefas; de alguma forma o pai considera as dificuldades específicas de Ariel decorrentes das dificuldades de organização, até pessoais, da mãe.
A mãe, por sua vez, assume as características que o pai lhe atribui e ainda culpa -se por falar muito mal o português, apesar de morar há dez anos no Brasil; a mãe, ao falar sobre si, permite que se levante a hipótese de dificuldade de aprendizagem sua pois também relata que não dirige porque não conseguiu aprender e que realmente sente-se, com freqüência, extremamente desorganizada, inclusive no comando de empregados e atribuições da casa.
Outra característica da família é a busca por tratamentos e/ou medicamentos. A mãe procura constantemente por diagnósticos médicos, expondo os filhos, especialmente Ariel, a diversos profissionais, como neurologistas (em São Paulo já procuraram cinco profissionais e nos EUA outros três), oftalmologistas, tanto no Brasil como nos Estados Unidos. A tentativa da mãe é a de encontrar uma medicação ou um recurso que auxilie no tratamento do distúrbio específico de linguagem já diagnosticado por um neurologista. A preocupação da mãe com medicação é de tal ordem, que, inclusive, já medicou Ariel sem orientação médica.
Os pais de Ariel aderiram ao tratamento Psicopedagógico com confiança, verbalizam tal fato e procuram dar continência às orientações e aos encaminhamentos, como recentemente, à psicoterapia de Ariel.
Apenas os fatos que seguem não puderam por eles ser atendido: terapia familiar, que o pai não aceitou e, embora não deixe sua posição explicitada, alega compromissos que o impedem de lhe dar seguimento; e continuidade sistemática no tratamento psicopedagógico, que se vê sempre interrompido pelos inúmeros feriados religiosos e pelas férias escolares / que são, invariavelmente, passadas nos EUA.
O irmão de Ariel também é alvo de muita preocupação por parte dos pais, tanto no que diz respeito ao rendimento escolar, quanto à adaptação social e ao relacionamento familiar. Faz psicoterapia há dois anos, tem aulas particulares de hebraico e deverá fazer também psicopedagogia.
A irmã de Ariel teve acompanhamento psicopedagógico e orientação escolar há aproximadamente três anos, por mais ou menos um ano, quando também apresentou dificuldades de relacionamento, especialmente com o pai. No momento, segundo a mãe, está bem, a mãe está procurando endocrinologista para levar a filha, que "parece " estar crescendo pouco e sentindo-se "gordinha" (sic.).
B. O SUJEITO
Ariel foi encaminhado por uma psicopedagoga que orienta a família na condução dos três filhos, pois os mesmos apresentam diferentes dificuldades escolares e/ou relacionais. Essa psicopedagoga, como a família de Ariel, é judia ortodoxa e, ao me encaminhar o caso, me informou determinadas características culturais, uma vez que não pertenço ao mesmo grupo sociocultural religioso. A referida psicopedagoga já havia avaliado Ariel por meio das provas:
1. organização grafomotora de L. Bender (O Teste Guestáltico Visomotor ) para crianças de 4 a 6 anos,
tendo Ariel apresentado performance compatível (com a de crianças
de 5 anos, estando ele com 7 anos completos;
2. teste ABC de Lourenço Filho (técnica de avaliação de habilidades), com dados de dificuldades de linguagem
oral (ecolalia); de memória visual e auditiva; de coordenação
visomotora fina com recorte, traçado e reprodução de figuras no ar
muito abaixo do esperado para a idade.
De posse desses dados, marquei com os pais uma sessão para a anamnese.
ANAMNESE
A situação de anamnese foi contida e as respostas nos limites da informação. A mãe alega dificuldade de compreensão e de expressão. Ariel foi a segunda gestão da mãe, nasceu a termo, de parto Cesário programado, em função da idade da mãe, com bom peso (sic.) e estatura de 50 cm; saiu da maternidade com a mãe, sem qualquer intercorrência. A mãe nega icterícia.
DNPM (DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR)
Segurou a cabeça, sentou e arrastou no tempo esperado; não engatinhou e andou aos 13 meses; falou, com muitos erros, aos 16 meses: Desde o início de vida de Ariel, o primeiro idioma foi o inglês; o português foi introduzido aos poucos pelo pai e pela escola; com os avós maternos fala inglês e os vê nas férias escolares e religiosas; com os avós paternos, que moram em São Paulo, fala iydish e o contato deles com Ariel é freqüente.

● Saúde: A mãe informa que Ariel sempre teve boa saúde, tendo apresentado poucos episódios de doenças infantis e viroses, além de forte rinite e sinusite eventuais. A mãe nega desmaios e convulsões.
• Escolaridade: Ariel entrou na escola que freqüenta até o momento,
na pré-escola, aos 3 anos e meio e, desde o início, observou-se
agitação, dificuldade de manutenção de atenção e de coordenação
global e fina.
● Sono: A mãe nega problemas, relata apenas "medo" ao deitar, que a mãe atribui à manipulação infantil da situação.
● Alimentação: A família só usa alimentação Kasher (correta, justa e boa) e nega qualquer
dificuldade, a não ser que Ariel come "muito feio, suja-se muito,
mastiga com a boca aberta, provavelmente pela dificuldade
respiratória decorrente da rinite e sinusite" (sic.).
● Sociabilidade: Ariel tenta ter amigos, mas, segundo a mãe, Ariel,
como seus outros filhos, tem dificuldade para fazer amizades; convida
outras crianças para irem à sua casa, mas nunca é procurado ou
convidado para festas ou para ir à casa dos colegas; Ariel ressente-se
muito com esse fato e os pais também. Ao ser perguntado qual a
hipótese dos pais para o fato, estes ficam constrangidos e culpam o desajeitamento motor e o fracasso escolar de Ariel.
● Tratamentos feitos e em efeito: Ariel faz controle neurológico, tem diagnóstico de distúrbio específico de linguagem e de dispraxia (disfunção motora que impede o cérebro de desempenhar suas funções); no momento, no Brasil, sem uso de medicamento; já fez tratamento fonoaudiológico na abordagem de reorganização neurológica, por 18 meses (93/95). Atualmente (1998) faz psicoterapia uma vez por semana, tratamento iniciado há três meses, além do tratamento Psicopedagógico.
PRIMEIRA ETAPA DO TRATAMENTO – RECONHECENDO ARIEL
Como nos foram passados dados de avaliação recente, optamos por observação avaliativa.
Propusemos a primeira sessão lúdica e observamos tal grau de desorganização em Ariel, que passamos a intervir de modo dirigido. Ariel demonstrou que a organização externa o ajudou, mas logo que se sentiu mais à vontade, passou a negar-se a "brincar" e solicitou atividades de escrever. Quando lhe foi fornecido material para escrita, Ariel mostrou encontrar-se ainda acessando a fase pré-silábica, reconhecendo, de forma inconsistente, algumas vogais como sons sem significado contextual.
Nas atividades de expressão gráfica, Ariel mostrou muita pobreza em suas elaborações, estereótipos e grande dificuldade de traçado. A atenção visual de Ariel é precária, sem que consiga fazer adequado o processamento visual dos estímulos ambientais. A avaliação psicomotora, Ariel mostra grande dificuldade de coordenação dinâmica global, apresenta marcha desordenada, atabalhoada, salto sem programação espacial, não conseguindo alternância de pés para atividades dirigidas; Ariel desconhece direita e esquerda em si; não tem dominância definida para a escrita, usando com predominância a mão direita, predomínio visual e auditivo direitos e pedal sem definição.
Equilíbrio estático e dinâmico comprometidos e, decorrente destes, apresenta postura inadequada, desarmonia global de movimentos, sugerindo dispraxia, além de visível instabilidade motora, tangendo hiperatividade. Quanto à organização espaço-temporal, assinala particular desordem seqüencial e desconhecimento conceitual. Observou-se a ocorrência de muitas sincinesias (associação de movimentos involuntários) faciais ao grafar e, das mãos, quando se tratou de marchar na ponta dos pés.
O vocabulário de Ariel é pobre e, com freqüência, pede que se repita a fala, ou usa de estereótipos de apoio (ãh?) para conseguir tal intento. Muitas palavras simples são solicitadas por Ariel sem significado mediante a colocação: "O que quer dizer isso?
Nas provas operatórias de Piaget, Ariel se encontra em estágio pré-operatório, fazendo classificações puramente perceptuais, sem qualquer operatividade, não conserva quantidades discretas nem líquidos e massa; sua seriação também ocorre sem operatividade, fazendo comparações figurais.
Nessa etapa do tratamento, chamou a nossa atenção a dificuldade extrema que Ariel encontra para qualquer representação cognitiva apoiada em relatos orais e/ou gráficos (desenhos).
Quanto à sua performance escolar, Ariel relata ".ser o pior da sala, mas que tem um amigo que é muito bom; ser sempre o 'café-com-leite' no futebol, que nenhum capitão de time o escolhe, ele sempre é o último a ir para o time que sobra (o time ou ele?) e que os amigou não gostam de almoçar perto dele, o chamam 'porquento' ", porque ele realmente come feio, a comida lhe cai da boca, ele baba refrigerante, vive com a camiseta do uniforme com molho de macarrão, mas "que não faz mal "(?).
Ariel, ao falar sobre si mesmo, se mostra conformado, adaptado a uma situação de menos valia.

CONTATOS COMA ESCOLA, COORDENADORES PROFESSORES

Desde o início do atendimento a Ariel, fizemos estreito contato com a escola, que recebeu muito bem os pareceres e procurou sempre ajustar as medidas escolares às estratégias psicopedagógicas propostas. As visitas à escola ocorreram sistematicamente no início e fim de cada semestre, além de contatos telefônicos mensais.
A primeira entrevista com a escola, no início do tratamento, nos permitiu conhecer o desempenho grupal de Ariel, suas inter-relações sociais, além de seu rendimento escolar. Fomos informadas nessa ocasião que as preocupações dos pais em relação aos aspectos sociais de Ariel tinham procedência, pois ele era realmente discriminado pelos colegas por seus hábitos e desjeitos alimentares, sendo que muitas vezes os próprios professores, que se encontravam almoçando com alunos, sentiam-se constrangidos pelas atitudes de Ariel. Esse fato repercutia na falta de convites a Ariel para comparecer a festas infantis e até mesmo a idas às casas de coleginhas para brincar. Os irmãos de Anel acabavam sendo englobados na mesma adjetivação ou sofrendo as conseqüências dessa rejeição e os pais, muito "cobrados" pelas inabilidades sociais de Ariel. Nessa comunidade religiosa os grupos sociais são permanentes para diferentes situações, por exemplo: escola, sinagoga, festas, quase todos os eventos giram num mesmo pólo.
Quanto aos aspectos cognitivos, foram apontadas inúmeras dificuldades, que já haviam se evidenciado desde a pré-escola, acentuadamente a memória visual e auditiva, bem como a incapacidade gráfica de Ariel. O aspecto de motricidade global também foi apontado, mas atribuído ao desajeitamento e não foi avaliado como uma dificuldade de integração perceptual de movimentos, como vimos na avaliação específica.
Às entrevistas escolares, sempre compareceram a coordenadora pedagógica, a professora de ensino de Português, o rabino, que ministra hebraico, e, em algumas reuniões, o rabino que dirige a escola. Ariel freqüenta escola em período integral, das 7h30 às 16h00, sendo desenvolvido, no período da manhã até as 12h00, ensino religioso com leitura e escrita em hebraico e, à tarde, o programa de Ensino Fundamental, com normas da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Esse fato deve ser bem focalizado, pois no caso de Ariel a dificuldade de lateralização e falta de dominância lateral estabelecida podem ser um agravante à sua performance, uma vez que cada escrita segue uma orientação espacial.

SEGUNDA ETAPA DO TRATAMENTO COM ARIEL

O objetivo de trabalho nessa etapa do tratamento, que coincidiu com o final do segundo semestre letivo, foi o de tratar a permanência de Ariel na série em que se encontrava (1a), com a família, escola e, principalmente com Ariel, como um direito. Sair da frente de um "trem bala" (o ensino e suas exigências escolares) ou poder caminhar sua marcha no seu ritmo e necessidade demandou muita reflexão junto aos pais, que tomavam para si um suposto julgamento (da comunidade?) de incompetência ou de "doença" de seu filho.
Para Ariel, a permanência na série escolar significava a perda de um grupo, por ele "percebido" como de amigos. Para a escola, tal permanência se fazia necessária tanto no ensino em hebraico como em Português, e a sugestão foi bem absorvida.

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